A constituição
protéica e de aminas e a toxicidade do veneno de
duas espécies de sapo (Bufo ictericus e Bufo schneideri)
e do veneno de seus híbridos naturais, que ocorrem
na região de Botucatu, são o objeto de estudo
de Daniel Nadaleto, mestrando do Instituto de Biociências
da Unesp, campus de Botucatu. ?O conhecimento sobre a constituição
do veneno de anfíbios é de grande importância,
não apenas como fonte de futuros medicamentos, mas
pela própria informação biológica,
que possibilita discussões e um melhor conhecimento
sobre a evolução, fisiologia e ecologia desses
animais?, afirma.
A pesquisa, realizada em conjunto com pesquisadores do Departamento
de Ciências Fisiológicas do ICB ? Universidade
de Brasília (UnB), encontrou variação
individual qualitativa e quantitativa na constituição
dos venenos, mesmo em sapos da mesma desova. ?Além
disso, há diferença na constituição
protéica e de aminas entre diferentes regiões
glandulares nos sapos (parotóides, tibiais e glândulas
espalhadas pelo dorso)?, diz Nadaleto.
Os anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas)
há muito tempo povoam a imaginação
dos seres humanos. Estão envolvidos em lendas, mitos
e histórias infantis, quase sempre tratando das secreções
da pele desses animais. Além do muco, que protege
o anfíbio contra dessecação e mantém
a umidade adequada à respiração cutânea,
entre outras funções, substâncias venenosas
também estão presentes na pele desses animais.
Essas substâncias são diversificadas, mas podem
ser divididas em quatro grupos principais: os alcalóides,
os esteróides, as aminas biogênicas e os peptídeos.
Outro componente do veneno dos sapos que somente agora está
ganhando maior notoriedade são as proteínas.
A descrição da constituição
protéica é um primeiro passo de uma série
de possíveis trabalhos de elucidação
dos papéis biológicos delas e de suas aplicações.
As proteínas presentes no veneno de sapos ainda são
pouco estudadas, oferecendo um vasto campo de pesquisa e
potenciais descobertas.
A origem e a evolução da diversidade de substâncias
presentes na pele dos anfíbios será tratada
no minicurso ?Aspectos Ecológicos e Evolutivos dos
Mecanismos Antipredatórios em Anfíbios?, a
ser realizado na Semana da Biologia do Instituto de Biociências,
campus de Botucatu. O evento que acontecerá em agosto
de 2005.
Os alcalóides, presentes, principalmente, em pererecas
de coloração viva (aposemática) da
América Central e do Sul (família Dendrobatidae),
estão entre as substâncias mais ativas do reino
animal. Os peptídeos são comuns na pele de
rãs, apresentando atividade cicatrizante e antibiótica,
entre outras. Por fim, os esteróides e aminas biogênicas
são os principais componentes das mais de 250 espécies
de sapos (gênero Bufo) presentes no mundo.
Os esteróides do veneno dos sapos há muito
são conhecidos por sua atividade cardiotóxica
e pesquisas recentes também descobriram atividade
antimicrobiana dessas substâncias. Outro importante
componente do veneno dos sapos, as chamadas aminas biogênicas,
provocam desde irritação local na mucosa até
estimulação da musculatura lisa, provocando
diarréia.
Muitos mitos foram criados em torno das substâncias
venenosas desses animais, como a de que sapos ?espirram?
veneno quando manipulados e que a urina pode cegar uma pessoa,
caso entre em contato com os olhos. No entanto, os sapos
são incapazes de inocular seu veneno voluntariamente.
As glândulas de veneno têm que ser comprimidas
para liberar seu conteúdo. A urina dos sapos e de
outros anfíbios também não é
capaz de envenenar seres humanos.
As histórias mais intrigantes relacionadas a esses
seres fascinantes são as de bruxas que utilizavam
os sapos para produzir seus feitiços e poções
mágicas. Estas histórias têm um fundo
de verdade, uma vez que as substâncias presentes na
pele dos sapos podem causar inúmeras reações
nos seres humanos. Na China, sob o nome de Ch?anSu, e no
Japão, sob o nome de Senso, usam-se preparações
do veneno seco para o tratamento de várias enfermidades,
como inflamações locais e resfriados. Alguns
sapos possuem substâncias alucinógenas na pele,
o que tem levado a uma estranha mania nos EUA, o hábito
de lamber sapos ou fumar o veneno, juntamente com tabaco,
para obter alucinações. Assim, o conto da
linda moça que beija um sapo que vira um príncipe
pode ser mais do que uma simples fábula.