Guerra no Iraque: três causas e uma conclusão

Por Ângelo Del Vecchio

IlustraçãoA Guerra no Iraque tem inúmeras causas. Algumas mais referidas à conjuntura, outras ligadas a fatores estruturais. Umas afetam a economia, outras a política, a religião, a cultura, e também há quem atribua certa importância a fatores psíquicos.

De toda forma, algumas hipóteses podem figurar entre os principais motivos da incursão norte-americana ao Golfo Pérsico:

1) A Guerra é um ótimo negócio para os Estados Unidos, e um bom negócio para seus aliados

Os valores envolvidos são bilionários. Antes de tudo, há o petróleo. O Iraque detém a segunda produção mundial desse insumo que a economia americana importa de forma abundante. A intervenção da coalizão ocidental certamente provocará oscilações importantes nos preços, seja para baixo ou para cima, provocando movimentos financeiros de magnitude sísmica, em boa medida direcionados pelos novos controladores da produção, os norte-americanos.

A Guerra é por si mesma um empreendimento gigantesco. No último dia 25 de março, o presidente Bush enviou ao congresso um pedido de suplementação para os esforços bélicos da ordem de oitenta bilhões de dólares. Essa quantidade astronômica de dinheiro significa aproximadamente 10% do PIB anual brasileiro, e seria consumida nos combates do Oriente Médio em aproximadamente noventa dias. Além disso, os recursos orçamentários regulares da máquina bélica americana montam a 390 bilhões de dólares ao ano, num total de 900 bilhões gastos no mundo todo. Finalmente, depois de dispender todo esse dinheiro para arrasar o Iraque, há a necessidade de reconstruí-lo, obra de cálculo igualmente bilionário, para a qual o governo americano já convidou um grupo de empresas, é claro, igualmente americanas.

2) A guerra estabiliza e legitima um governo que, antes dos atentados de 11 de setembro de 2001, colhia baixa taxa de aprovação

É bom lembrar que a última disputa presidencial americana foi marcada por forte questionamento quanto à legitimidade do eleito. Independentemente do complexo sistema eleitoral dos EUA contemplar matematicamente a possibilidade de eleição de um presidente ligeiramente minoritário, o fato do colégio eleitoral do estado da Flórida, governado pelo irmão de George Jr., Jeb Bush ter sido decisivo na vitória trouxe ao menos um colorido de suspeita ao pleito. Os atentados de 11 de setembro permitiram que o presidente se apresentasse aos seus concidadãos como o portador de um programa tão elementar, quanto eficaz: vingar a ofensa pela força. Na verdade, os aviões arremessados contra as Torres Gêmeas e o Pentágono foram o sinal de fogo para a escalada arma-mentista que se iniciou no Afeganistão e sabe-se lá aonde irá parar.

3) A guerra realiza as pretensões geopolíticas dos norte-americanos

Desde os anos oitenta, dois fenômenos confluentes podem ser observados. Por um lado os Estados nacionais enfraquecem sua dimensão territorial em todo globo ao ceder espaço à atuação de organismos multilaterais. Por outro lado o Estado norte-americano além de reforçar a presença de seus interesses econômicos em escala global, atua como guarda armada de uma concepção, no mínimo exótica, de democracia, e o faz ao arrepio dos mesmos organismos multilaterais.

Foi assim em Granada, em 1983, quando o regime de tendência pró-cubana, aparentemente aceito pelos granadinos, foi derrubado pelos mariners. Da mesma forma ocorreu no Panamá, com a deposição de Noriega pelos comandos americanos. Essa cruzada levou as tropas americanas à Bósnia e ao Golfo Pérsico em 1991, à Somália em 1993 a ao Afeganistão em 2001.

Em todas essas intervenções os EUA fincaram bases e contingentes militares estrategicamente postados, operando, quando necessário, à fragmentação de Estados soberanos, através do acirramento dos ódios étnicos e regionais. Parece ser esse o objetivo da ofensiva a partir de território curdo do sul da Turquia ao norte iraquiano. Um Estado tampão curdo seria a sede ideal para um dispositivo militar americano, muito útil na hipótese bastante provável de prolongada instabilidade política no Iraque.

Como todas as hipóteses levam a alguma conclusão, preliminarmente podemos afirmar que o unilateralismo americano veio para ficar. Ou seja, ele não é uma política eventual, senão a doutrina oficial, fato que coloca um limite de eficácia aos colegiados como a ONU e mesmo aos blocos econômicos regionais.

A sua materialização sob a batuta de George Bush Jr. Mobiliza hoje milhares de homens, milhões de armas e bilhões de dólares. Resta saber quem pagará o custo disso no futuro.

Ângelo Del Vecchio é docente do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus de Araraquara


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