Calor humano

Pesquisa aponta para a importância do relacionamento interpessoal
e abordagem humanística no tratamento de pacientes com Aids
Por Thiago Nassa

Profa. Dra. Maria Lúcia Sadala - autora da pesquisaEm meados da década de 70, o então estudante norte-americano de medicina Patch Adams já causava divergências com suas concepções em relação ao tratamento de doentes. Adams acreditava que uma boa relação humana entre médico e paciente era fundamental para a recuperação de qualquer tipo de enfermidade, mesclando a abordagem científica com um olhar atento à individualidade do paciente.

Na época, o pretendente a médico foi muito criticado por seus métodos. Os mais ortodoxos não toleravam tal comportamento. Ao finalizar o curso de medicina, Adams montou um centro de tratamento, onde recebe gratuitamente todos os tipos de doentes e o principal método de tratamento é olhar o paciente como pessoa humana. De lá para cá, o revolucionário médico ganhou adeptos do mundo inteiro e hoje há uma lista de espera de cerca de 10 mil profissionais querendo trabalhar voluntariamente em seu centro.

Essa história verídica foi retratada, há cerca de dois anos, por cineastas de Holywood no filme Patch Adams - o amor é contagioso, estrelado por Robin Willians. É basicamente sob este prisma ¾ pessoas cuidando de pessoas ¾ que a doutora da UNESP, Maria Lúcia Araújo Sadala, desenvolveu uma pesquisa, apresentada no livro Cuidar de pacientes com Aids - o olhar fenomelógico. Baseada na sua experiência profissional como enfermeira e como professora, Maria Lúcia traz à tona considerações humanísticas a partir da análise e discussão sobre o cuidar de pacientes com HIV.

Maria Lúcia é docente e pesquisadora na Faculdade de Medicina da UNESP - Campus Botucatu (FMB), onde ministra a disciplina "Relacionamento enfermeira-paciente" para o Curso de Graduação em Enfermagem. É também coordenadora do grupo acadêmico Comunicação em Saúde, desenvolvendo linha de pesquisa que investiga a comunicação e o relacionamento entre os profissionais da saúde e os pacientes.

O livro de Maria Lúcia foi desenvolvido a partir de pesquisas realizadas na FMB, nas quais foram abordadas as relações entre os profissionais de saúde (enfermeiras e auxiliares de enfermagem, médicos, nutricionistas, assistentes sociais e fisioterapeutas) e os pacientes com Aids. "Esse universo, que é o cuidar de pacientes HIV, constitui num lugar privilegiado para as manifestações do sentido do ser, onde acontece as interações dos indivíduos uns com os outros, uns contra os outros, uns apesar dos outros, uns independentemente dos outros. Ali, cuidadores e pacientes coexistem como homens coletivos na vida comum, cada um sendo único na sua experiência particular", explica a autora.

Ao interrogar o fenômeno "cuidar de pacientes com Aids", a intenção de Maria Lúcia foi aproximar-se da realidade deste universo, para compreender as manifestações desta prática, com base na descrição dos sujeitos que a vivenciam. "O que descrevo são as várias possibilidades de vivenciar o fenômeno 'cuidar de pacientes com Aids', na perspectiva dos profissionais que participaram do estudo", diz.

No entanto, a autora aponta para a necessidade de os profissionais de saúde refletirem sobre a compreensão da própria realidade e da realidade dos pacientes. "É essencial que os profissionais de saúde estejam atentos ao paciente de forma holística, procurando percebê-lo como um todo, para que seja possível compreendê-lo na sua experiência particular e única de vivenciar a doença. Devemos perceber os seus medos, as suas ansiedades, os seus sentimentos e as suas necessidades como pessoas e não tratar apenas de corpos biológicos", enfatiza a autora.

Maria Lúcia conta que os próprios pacientes ensinam isso aos profissionais. "É comum ouvir da boca dos pacientes a frase 'eu vivo intensamente cada dia que passa, procurando fazê-lo o mais perfeito possível'. As pessoas que cuidam de doentes podem estimular o aprendizado do paciente em momentos de enfermidade. A idéia é entrar no mundo do paciente, aprender com ele e ajudá-lo", ressalta.

A autora volta-se, neste estudo, para as dificuldades dos profissionais de saúde no que diz respeito às formas de perceber o paciente e o tratamento. "Os dados desvelam o medo do contágio, o preconceito e a ansiedade dos profissionais, por não saberem como relacionar-se com este paciente", conta.

Segundo ela, o surgimento da Aids no mundo fez com que as relações entre pacientes e profissionais da saúde mudassem radicalmente. " No início, a Aids era encarada como uma doença de homossexuais, de prostituas e de usuários de drogas, e havia uma forte conotação deste preconceito na assistência aos doentes. Hoje em dia, sabe-se que isso não é verdade, mas os comportamentos preconceituosos ainda existem", revela Mari Lúcia.

Estas reações ao cuidar do paciente, na visão de Maria Lúcia, significam despreparo de alguns profissionais. "Em procedimentos envolvendo risco de contágio, alguns dos profissionais só fazem uso das precauções universais (luvas, máscara, bata, e procedimentos preventivos de contágio) somente quando sabem que o paciente é HIV positivo", diz.

 


Leia também:


Página inicial
O Jornal
E-mail Redação
Equipe
Agenda
Edições Anteriores
Revistas Científicas